Bolsonaro e Política Externa - Globalismo, Marxismo Cultural e Olavismo

in #pt6 years ago (edited)

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A emergência de Jair Bolsonaro e sua eleição é um demonstrativo claro da conjuntura política atual, não apenas no cenário doméstico, mas uma conjuntura que se manifesta internacionalmente. A crise que perpassa a ordem liberal, confrontada por aspirações de um novo nacionalismo que ressurge com ares de conspiração, encontrou sua forma tupiniquim e Bolsonaro surfou nela. Mas Bolsonaro não é o único astro do movimento brasileiro, antes, nas sombras, o ambiente do debate público vem sendo influenciado por uma figura curiosa, mas gostando ou não, importante para entender o Brasil atual. Me refiro a Olavo de Carvalho, o ideólogo do bolsonarismo. É fato que o Olavismo não é a única facção que ronda a administração Bolsonaro nem que o levou ao poder, há de se levar em consideração também o papel dos liberais e dos militares e de como o próprio Olavismo se choca com esses grupos em vários quesitos. Entretanto, não seria exagerado afirmar que as bases da agenda bolsonarista se alimentam predominantemente da mente de Olavo de Carvalho. Portanto, entender a influência de seu pensamento político se torna importante para compreender não apenas o fenômeno Bolsonaro como uma manifestação doméstica, mas para compreender o próprio cenário internacional e a influência dessa nova onda no que tange aos impactos de uma política externa feita por Bolsonaro.

A figura de Ernesto Araújo é um grande exemplo do papel ideológico para o qual a política externa tem se direcionado. Olavete assumido, Ernesto coloca como prioridades o combate ao marxismo cultural e ao Globalismo. Como afirma em seu blog Metapolítica, “quero ajudar o Brasil e o mundo a se libertarem da ideologia globalista.” Como define o mesmo, “Globalismo seria a globalização econômica que passou a ser pilotada pelo marxismo cultural”. Em suma, as teorias em torno do globalismo não são de exclusividade nacional, nem nasceram com Olavo de Carvalho e seus pupilos. Importada de teóricos paleoconservadores norte-americanos, a tese do marxismo cultural surge na década de 1990 como uma forma de reação aos movimentos de transformação da sociedade americana no ambiente dos costumes. Tais transformações causadas por uma conjuntura histórica particular levou a uma tônica combativa que tirava dos conservadores americanos a atenção da já finada ameaça comunista, se focando, portanto, na emergência dos movimentos minoritários e de liberação sexual que já vinham ganhando espaço nos ambientes europeus e norte-americano desde a década de 1960.

William S. Lind, principal proeminente da tese, sistematizou sua construção narrativa em palestra denominada de “Origens do Politicamente Correto”, proferida na American University, em Washington D.C. no ano 2000. Lind afirmava que após o fim da primeira guerra o socialismo soviético teria encontrado barreiras em seu objetivo de Internacionalização. Com isso, surgiram intelectuais, em especial Georg Lukács e Antonio Gramsci, que passaram a defender a tese de que a consciência de classe, tão importante para o despertar do movimento revolucionário e sua expansão, teria encontrado barreiras devido às bases culturais e ideológicas que sustentam o ocidente capitalista, em suma o cristianismo e seus valores costumeiros. A proposta do “novo marxismo” seria, portanto, empreender, nos termos de Gramsci, “uma longa marcha para as instituições”, aparelhando jornais, escolas, igrejas e as instituições culturais em busca de subverter os valores ocidentais e assim abrir espaço para a expansão revolucionária. Mais ainda, essa teoria teria encontrado eco na formação da escola de Frankfurt que formou a tão prestigiada teoria crítica e que, para Lind, seria o braço intelectual de propagação do marxismo cultural no mundo e principalmente na sociedade norte-americana, haja visto que, devido a perseguição nazista, boa parte dos integrantes da escola frankfurtiana se refugiaram nos EUA no contexto da segunda guerra.

A teoria conspiratória começa a ficar mais obscura quando se coloca na equação a noção de um projeto de dominação mundial orquestrado por uma elite internacional de grandes bilionários que teriam o suposto interesse de promover a queda do conceito de Estado Nação em busca de estabelecer uma governança mundial. O marxismo cultural seria, nada mais, do que um braço desse projeto de poder chamado por globalismo. O mesmo globalismo que Ernesto afirma alegadamente ter por objetivo denunciar e confrontar. Essa postura antiglobalista, tendo por base as teorias da conspiração já citadas, se apresenta hoje como um fenômeno internacional que pauta uma das principais contradições da ordem liberal vigente. A ascensão do próprio Bolsonaro se alinha de maneira explícita a emergência de movimentos políticos como o Trumpismo, o Brexit, os movimentos nacionalistas na Polônia, na Hungria, na Turquia e etc. Todos, sem exceção, carregam esse pilar de afirmação de um nacionalismo extremado e um distanciamento das agendas de Internacionalização e interdependência propostas pela ordem liberal. De tal maneira se vê forte confrontação aos organismos internacionais, como ONGS e Organizações Internacionais como a própria ONU, sem contar a constante oposição a conceitos como multiculturalismo e fronteiras abertas.

O fenômeno dos novos nacionalismos carrega em si o reflexo do que pode ser considerado um dos mais pertinentes problemas políticos do século XXI, isto é, a questão da identidade. Já previsto em autores do pós-guerra fria, como Samuel Huntington, a questão identitária vem ao longo das últimas décadas sendo um pilar de sustentação de uma série de questões envolvendo tanto a política doméstica quanto a política externa. Não surpreendentemente toda a problemática em torno do marxismo cultural e antiglobalismo se relaciona diretamente com essas pautas identitárias, haja visto que surgem como reação tanto às políticas de identidade que pautam os movimentos minoritários em ambiente doméstico, quanto ao cosmopolitismo liberal que busca suplantar barreiras ligadas à identidade em busca da criação de um ambiente universalizado. Tal como a esquerda encontra eco na questão identitária na busca de afirmar suas pautas sociais e minoritárias, a direita também capta a questão da identidade na tentativa de reafirmar os valores tradicionais e se opor aos movimentos universalistas que supostamente ameaçam a configuração da soberania clássica que cada vez mais se torna irrelevante. É justamente essa a análise que apresenta o cientista político norte-americano Francis Fukuyama em seu recente “The Demand for Dignity and the Politics of Resentment”.

Voltando ao contexto brasileiro, a figura de Olavo de Carvalho ganha o protagonismo no que tange a tradução dessas ideias no cenário nacional. Basta consultar seu artigo para O Globo, de junho de 2002, para que se veja sistematizada toda essa mesma narrativa que hoje impera como política oficial de governo. Não obstante, sendo Ernesto seu discípulo dedicado, também sendo importante notar a participação de Felipe G. Martins como assessor internacional de Jair Bolsonaro e um dos principais proponentes do Olavismo, o antiglobalismo se apresenta como a pauta principal da agenda da nova política externa brasileira. E mais ainda, se torna o único fator minimamente decifrável da mesma, haja visto que toda a proposta em termos de política internacional se traduz em uma bagunça ideológica, na qual não se apresenta de fato um projeto de relevância, como aponta o Diplomata Dr. Paulo Roberto de Almeida, em entrevista ao El País ao ser perguntado sobre como o mesmo analisa a política externa do governo atual: “Difícil fazer uma avaliação sobre o que não existe. Não dispomos, até o momento presente, de nenhuma exposição clara, completa, racional, sobre qual seria essa política externa, até aqui marcada apenas por slogans: luta contra o globalismo, contra o marxismo cultural, contra o multilateralismo, contra o climatismo, o comercialismo, coisas totalmente bizarras, com efeito.”

Em suma, o que se pode conceber das atividades relevantes desenvolvidas até agora no ramo da política externa se concentra em uma aproximação afirmada com os Estados Unidos e Israel, incluindo as ameaças de transição da embaixada de Tel Aviv para Jerusalém e o possível apoio às iniciativas norte-americanas na Venezuela. Entretanto, devido às próprias tensões que imperam o governo, os anseios olavistas têm encontrado barreiras que são fomentadas pela ala militar que, não de hoje, sempre buscou cultivar uma política externa mais pragmática e realista, pois mesmo durante o regime militar é possível encontrar promoção ao multilateralismo, pragmatismo e a uma política externa mais independente. O fato é que, enquanto o olavismo estiver tomando as rédeas do direcionamento da política externa deste governo através da figura de Ernesto e afins, as ambições políticas que visam aproximações bem restritas com grandes potências ocidentais, o afastamento de Estados que representem desalinhamentos ideológicos, tais como a China que é um dos principais parceiros comercias do Brasil, e o anseio antiglobalista de rejeição a interdependência e confrontação aos organismos internacionais se tornará pauta primordial a ser desenvolvida no âmbito das relações internacionais. As consequências disso, só o futuro pode esclarecer.

Referências:

ARAÚJO, Ernesto. About. https://www.metapoliticabrasil.com/about

Brasil avalia mudar embaixada de Israel para Jerusalém.https://www.google.com/amp/s/exame.abril.com.br/brasil/brasil-avalia-mudar-embaixada-para-jerusalem/amp/

DE ALMEIDA, Paulo Roberto. “É inaceitável para os militares essa subserviência aos Estados Unidos”.https://www.google.com/amp/s/brasil.elpais.com/brasil/2019/03/14/politica/1552600455_614851.amp.html

DE CARVALHO, Olavo. Do marxismo cultural.
http://www.olavodecarvalho.org/semana/06082002globo.htm

FUKUYAMA, Francis. The Demand for Dignity and the Politics of Resentment. USA: ed: Farrar, Straus and Giroux, 2018.

HUNTINGTON, Samuel. O Choque de Civilizações: e a recomposição da ordem mundial. Brasil: ed. Ponto de Partida, 1997.

MAGALHÃES, David. Quem tem medo do Globalismo.https://cultura.estadao.com.br/blogs/estado-da-arte/quem-tem-medo-do-globalismo/

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