“Amor tem limites”, diz a Sarah (Rachel Weisz), a Duquesa de Malborough, para sua grande amiga, a rainha Ana da Grã-Bretanha, que rebate “não deveria”.
Foi nessa resposta de Ana que A Favorita, novo filme de Yorgos Lanthimos, realmente capturou a minha atenção. Da forma ao conteúdo, o desfecho do prólogo indica o que viria nos muitos e invisíveis minutos que seguiram. Toda excentricidade das personagens – e do estilo do diretor ateniense – e toda opulenta pompa grandiloquente (hipérbole intencional) da corte britânica do século 18 numa combinação natural de história, ficção, drama, comédia e suspense atmosférico. O diálogo do primeiro parágrafo aponta as personalidades de ambas as personagens e sugere seus desejos mais latentes, seus objetivos. Além disso, o valor cômico inerente à intensa química entre as atrizes se sobressai sem esforço. Essa combinação (um tanto ousada, eu diria, mas não inesperada vinda de Lanthimos) me manteve atento aos muitos detalhes que, de forma fluida, podem passar desapercebidos ou explicitamente hiperbólicos. Vejo em A Favorita aquele tipo de obra para assistir repetidas vezes, sempre à espera recompensatória de “novos” detalhes.
De pronto, o ambiente abraça o espectador graças à fotografia de Robbie Ryan que captura todos os detalhes que compõem e definem a grandiosidade do Palácio. A beleza estética de A Favorita é de encher os olhos, principalmente pelo fato de ter sido filmada no num palácio real: a Casa Hatfield, na Inglaterra. Mas a fotografia também se destaca além dessa “mera” captura e se sobressai como um dos elementos primordiais da narrativa. Além dos ângulos sugestivos que refletem a autoconsciência que um personagem tem de si, ou como a corte as observa, dentre outras sugestões, a fotografia também se destaca (e essa palavra parece a mais correta) ao sair de sua perspectiva subjetiva e “grita” explicitamente com lentes que emulam efeitos parecidos com o resultado de uma olho-de-peixe. A presença da fotografia se faz sentir em momentos singulares. Ela deforma ambientes e personagens, sugerindo aspectos obscuros de suas personalidades ou, também, reflexos de atos questionáveis. Lanthimos parece brincar com o expectador, pesando propositalmente a mão, deixando clara a característica estapafúrdia que ajuda a compor a identidade de A Favorita, tal como na cena de dança, definida por um exagero anacrônico – que, aliás, além de divertida (lembro de gargalhar alto juntos com outras pessoas no cinema), é robusta quanto ao desenvolvimento das personagens. A cena não é exatamente sobre dançar, mas sobre não dançar.
Baseada no relacionamento histórico da Rainha Ana e da Duquesa de Malborough, A Favorita elabora uma jornada histórica excêntrica que parece refletir sobre limites, tão como sugere o diálogo acima. O relacionamento de ambas sofre um abalo com a chegada de Abigail (Emma Stone), que tentará ser a nova favorita da Rainha. O trio protagonista funciona muito bem individualmente (cada uma tem objetivos claros e ocultos, que serão revelados sem muito tardar ao longo da história), mas é a dinâmica entre elas que carregam o filme de qualidades positivas latentes. As minúcias nos trejeitos faciais, movimentação do corpo e diálogos elaboram uma comédia pungente, ácida por vezes. Mas consegue ir além. Guiadas por interesses divergentes (até que ponto eles são egoístas? Até que ponto o fim justifica os meios? A Favorita não se interessa por respostas, mas pelas consequências), as personagens apresentam uma sugestão cômica que, com simples detalhes como um olhar ou uma frase, apresenta também, nas entrelinhas, um teor de suspense. Afinal, a disputa por algo – seja isso poder, amor, ou banalidade – numa corte imperial já sugere alguma forma de inescrupulosidade. A partir dessa percepção, Lanthimos desenvolve um suspense que é como uma sombra da comédia.
Essa dinâmica rica só é parece ser capaz graças ao talento das atrizes. Nada de novo, considerando quem são. Weisz e Stone compõem personagens curiosas que conquistam a atenção com extrema facilidade. “Competente” parece uma palavra pequena demais, quase um eufemismo, para descrever a grande qualidade do trabalho delas. Mas é a Rainha Ana de Olivia Colman quem realmente chama a atenção. A atriz parece completamente confortável com a personagem. Cheia de problemas diversos, físicos e emocionais, os anseios de Ana são menos mundanos. A partir dessas fragilidades, Olivia Colman cria uma espécie de “caricatura realista”, complexa, humana, soberana.
A figura de Ana é o elemento central da história, que discorre nessa fluida exposição de diferentes gêneros, sempre interligados, para culminar numa conclusão simbólica que deixará o espectador refletindo o significado daquelas imagens por horas (ou dias, no meu caso). Outro momento onde Yorgos Lanthimos chama, propositalmente, a atenção para sua direção, sobrepondo significados e conclusões que se justificam é na conclusão. O simbolismo dos coelhos, dos semblantes e das posições são a resposta. Mas qual é a pergunta? Qual o objetivo de A Favorita? Qual o sentido dessa amálgama de história ficcional divertidamente sombria? Tenho meus palpites, muitos deles envolvendo limites. Mas creio que a melhor forma de entender qual é a pergunta, qual é o significado da obra é…
(pausa dramática)
Ver e rever A Favorita. Simples assim.
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