O sistema capitalista nestes tempos hipermodernos é uma festa negra: exacerba crises, produz desigualdades, promove a ignorância, infantiliza as pessoas e leva-as a crer na inexistência de um futuro falacioso.
Ao observar as políticas neoliberais de consistência milagreira para os arautos da pilhagem, constata-se que o discurso dos seus protagonistas é um manual de instruções sobre a fraude.
O seu sorriso aniquila o olhar ético sobre o mundo, arrasa com todos os comportamentos de boa conduta.
Na Igreja neoliberal são baptizados diariamente jovens canalhas cujo catecismo é o assassínio em massa, como se constata diariamente nas notícias, como uma inevitabilidade da sua existência criminosa.
A sua nação é o dinheiro, protegendo o seu reino de rentabilidade máxima a custos mínimos. O imperativo da ganância, a prática do despedimento, a precarização do trabalho é a sua festa, as desigualdades sociais, o seu brinde de festas felizes.
O ecrã hipermoderno é exuberante na sua informação premeditada da ignorância.
A crença da felicidade, a agnosia como vantagem sobre o conhecimento, a hipocrisia da aposta tecnológica como disfarce do abandono do investimento científico, o negócio da morte, a cama do hospital inflacionada de corpos em espera. Morte. Segue e siga!
O apelo ao anonimato. A derrocada dos fundamentos do bom carácter.
Há uma falsa liberdade do vazio, a ausência da perspectiva, da crítica onde ética e moral se confundem no exercício de um pacifismo arrepiante perante a modelagem de poderes obscuros.
O seu plano estético tem a dimensão de um centro comercial. Tudo passa por consumos excessivos que as modas impõem. Destruidor de diferenças culturais, o capitalismo hipermoderno impõe modelos monótonos e aniquila qualquer possibilidade de um olhar poético: a sua literatura descartável é a melhor prova da sua inconsistência.
Todo o passado é reciclado em função das novas exigências do consumo, da festa, da exuberância, que falseia a possibilidade de cada um na ribalta do poder.
A paisagem acinzenta-se, descolora, banaliza-se na materialização do controlo de igualização que a moda mimetiza, as fábricas produzem, as marcas distribuem como se fossem baluartes de diferenças. E, no entanto, a origem asiática a baixo custo é o centro nevrálgico da sua produção que paga com salários de fome. Todas as marcas, a mesma mão-de-obra. Os hiperlucros no mesmo saco. Tudo é igual, ainda que sob o ardil de tudo ser diferente.
A imagem do indivíduo cosmopolita na hipermodernidade do século XXI tem um preço tão elevado que o resultado do seu cálculo é inimaginável. O capitalismo produz fancaria e comercializa insignificâncias. O descartável, o seu cardápio niilista.
Banalidade e barbárie, o hipermodernismo devasta o mundo a favor da tecnologia do «gadget» bem embrulhadinho em presentes de aniversário ou de natal.
A ética esfumou-se do espaço social e económico e o seu contrário, corruptor, é imposto do exterior com um falso argumentário do novo-riquismo que veicula a sua desinformação através dos media. O futuro tornou-se curto, a esperança precária, a ilusão efémera. Das autoestradas da informação ao individualismo hedonista, do aparente mundo do bem-estar ao fim do combate ideológico e revolucionário, a crença pacífica no ocidente moderno e opulento deu lugar ao fim de todas as utopias.
É contra este estado a que o Estado chegou que temos a obrigação ética de lutar com todas as ferramentas que a hipermodernidade criou para nos derrotar.
Luís Filipe Sarmento, Gabinete de Curiosidades, Lisboa, São Paulo, 2017
Foto: José Lorvão
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