Albert Einstein (1879-1955)
Amanhã, em 29 de maio de 2019, comemoramos os 100 anos do histórico Eclipse de Sobral, experimento usado para validar a ideia original de Albert Einstein (1879-1955) de que a luz se curva na presença de grande quantidade de massa.
Pouca gente sabe, mas foi aqui no Brasil, na cidade de Sobral, no Ceará, e simultaneamente na Ilha do Príncipe, na África, durante um eclipse solar total em 29 de maio de 1919, que a Teoria da Relatividade Geral de Einstein passou pelo seu primeiro grande teste. E foi aprovadíssima! Einstein, a partir daí, tornou-se cidadão mundialmente conhecido. E o Brasil entrou de carona nesta incrível história!
Amanhã falarei sobre o experimento propriamente dito. Hoje, na véspera da histórica comemoração, abordo a genial ideia de Einstein.
O Princípio da Equivalência (1907)
Em 1907, Einstein enunciou o Princípio da Equivalência, ideia que, segundo ele próprio, foi a mais feliz de toda a sua vida. O princípio diz que, na prática,
Os efeitos da aceleração e da gravidade são indistinguíveis
Em outras palavras, os efeitos produzidos por um campo gravitacional uniforme são os mesmos que o de uma aceleração constante.
Para entender este princípio físico, veja, abaixo, animação didática que capturei dos slides de uma palestra que proferi na Campus Party, São Paulo, em 2013, a convite do grande amigo Sérgio Sacani, editor do Space Today, curador da área de Ciências da Campus Party.
A ideia por trás do Princípio da Equivalência (1907)
Note, à esquerda, que um observador (homem segurando uma maleta) no interior de um veículo¹ parado em relação à Terra, solta a maleta. Pelo efeito da gravidade, a maleta acelera e cai no chão. A aceleração da maleta vale a = 9,8 m/s², exatamente o valor da gravidade superficial na Terra.
Repare (e compare) que na imagem da direita o mesmo veículo foi para o espaço, distante de qualquer astro, onde podemos desprezar a existência qualquer campo gravitacional. No entanto, o veículo é empurrado pela força de retrofoguetes e acelera. O mesmo observador (homem segurando uma maleta) repete o ato de soltar a maleta. E observa que, curiosamente, de dentro do ambiente fechado do veículo, agora no espaço distante, a maleta também parece cair como se existisse ali um campo gravitacional uniforme na mesma direção mas em sentido oposto ao da aceleração.
Perceba ainda que, em ambos os casos, o observador sente-se "grudado" no piso. No primeiro caso pelo efeito da gravidade que o puxa para baixo e no segundo pelo efeito da aceleração do veículo impulsionado por retrofoguetes cujo piso empurra o homem acelerando-o de forma solidária à nave.
Se, nos dois casos, a = g = 9,8 m/s², de dentro do veículo totalmente fechado o observador jamais terá como saber se está próximo da Terra, sob efeito do campo gravitacional terrestre, ou se está no espaço distante e sob efeito da aceleração do veículo. Se estiver dotado de um acelerômetro, dispositivo que hoje em dia está presente até mesmo nos smartphones, em ambos os casos o aparelho vai medir 9,8 m/s². Mas jamais o observador poderá afirmar com certeza qual é a origem (gravitacional ou mera aceleração) destes 9,8 m/s². Logo, os efeitos da gravidade e da aceleração são indistinguíveis. E é justamente esta elegante ideia que Einstein batizou de Princípio da Equivalência.
Analogamente, se o veículo estiver em queda-livre próximo à Terra, o observador terá a sensação de flutuar, como se o campo gravitacional tivesse sido desligado. Muitos chamam esta sensação de gravidade zero, termo que não gosto porque induz ao erro de acreditar-se que a gravidade é nula quando, de fato, não é. Mas o efeito é o mesmo. Nesta situação de queda livre, que prefiro chamar de imponderabilidade, a sensação de flutuar é exatamente a mesma de estar no espaço distante numa nave que não acelera num ambiente sem gravidade alguma.
A curvatura da trajetória da luz pela gravidade (1911)
Em 1911 Einstein usou o seu Princípio da Equivalência num genial experimento mental². Ele imaginou uma fonte luminosa emitindo um raio de luz propagando-se em linha reta no espaço vazio. E imaginou o que aconteceria se uma nave espacial³ cruzasse a trajetória do raio luminoso movendo-se numa direção perpendicular à direção de propagação da luz. A animação abaixo, retirada dos slides da palestra que citei acima, nos dá uma ideia do que pensou/imaginou Einstein.
Fonte luminosa emite um raio de luz que entra e sai de uma nave acelerando no espaço. O observador, de dentro da nave, enxerga luz fazendo curva por conta da aceleração.
A luz, no vácuo espacial, caminha em trajetória retilínea. Mas, se imaginarmos que o veículo que foi pro espaço distante levando o observador tem uma janela transparente por onde o raio de luz pode entrar e outra janela por onde pode sair, supondo que o observador tivesse como ver o raio de luz, o veria fazendo curva dentro da nave. A trajetória do raio de luz entre as duas janelas seria retilínea apenas se o movimento da nave fosse uniforme. Mas a aceleração da nave provoca o efeito de curvar a trajetória do raio de luz.
Usando o Princípio da Equivalência, o observador, de dentro da nave, não tem como saber se a luz se curva por efeito da aceleração da nave ou por efeito de um campo gravitacional uniforme uma vez que "Os efeitos da aceleração e da gravidade são indistinguíveis". Sendo assim, a massa, que gera a gravidade, teria, por hipótese, o poder de curvar a trajetória da luz! Genial, não?! Sou suspeito! Mas adoro esta ideia!
A partir daí, e até o ano de 1915, quando a Teoria da Relatividade Geral ficou pronta, foram quatro longos anos. Einstein, com a ajuda de outros cientistas, teve que geometrizar o espaço para dar suporte a esta ideia super original ancorada no Princípio da Equivalência. Einstein imaginou um espaço de quatro dimensões: três espaciais (x, y, z) e uma temporal (t). Segundo ele, este espaço seria deformado pela presença de massa. E, quanto maior a quantidade de massa, maior seria a deformação do tecido do espaço de quatro dimensões. A luz, ao viajar neste espaço não euclidiano, ou seja, de geometria sofisticada e não convencional, tenderia a acompanhar a curvatura produzida pela presença da grande massa. Desta forma, deveria curvar-se.
Onde/como conseguir massa suficiente para curvar a luz num laboratório?
Como seria possível comprovar a suposta curvatura da luz pela presença de grande massa? Que objeto poderia ser usado num laboratório com este propósito? Em outras palavras, como trazer, por exemplo, uma estrela para dentro do laboratório?
A solução para o impasse acima se deu invertendo a pergunta: o problema não é trazer grande massa para o laboratório e sim levar o laboratório para onde já existe grande massa! E assim surgiu a ideia de usar o Sol como objeto massivo. E tentar observar e medir os efeitos da curvatura da luz durante um eclipse solar quando a Lua, ao obstruir o Sol, nos permite ver as estrelas de fundo que, na presença do Sol, são ofuscadas e jamais podem visualizadas.
A ideia, bastante inteligente, era fotografar tais estrelas visualmente próximas ao Sol durante o eclipse solar. E, noutra época do ano, quando tais estrelas estivessem visíveis à noite, sem a presença do Sol, fazer nova imagem. As duas imagens, com e sem a presença do Sol, poderiam ser comparadas. E, se a luz de fato fizesse curva ao passar perto do Sol, objeto massivo, as posições relativas das mesmas estrelas seria diferente.
Mas isso fica o próximo post, amanhã, nos exatos 100 anos do Eclipse de Sobral.
Abraço do prof. Dulcidio. E Física na veia!
¹ Não estranhe. O veículo tem rodas porque na palestra era inicialmente um vagão de trem que usei para apresentar as ideias básicas da Teoria da Relatividade Restrita. Na segunda metade da palestra o mesmo veículo ganha propulsão e vira uma nave que vai para o espaço.
²Einstein tinha a capacidade de imaginar situações que eram como simulações computacionais, só que rodando no cérebro, e sempre obedecendo às leis da natureza. É o que ele chamou de "experimentos mentais".
³Na verdade ele imaginou um elevador viajando no espaço distante num local sem gravidade. Na minha palestra usei um vagão de trem para introduzir as ideias básicas da Teoria da Relatividade Restrita e adaptei o mesmo vagão para viajar no espaço.
Este texto também foi publicado no Física na veia! | UOL Ciência neste link.
Vai ser difícil surgir um ser humano mais genial que esse daí.
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Acho incrível a capacidade que o Einstein tinha de imaginar o funcionamento do Universo como se estivesse rodando no cérebro uma simulação. Os tais "experimentos mentais".
E ele mesmo chegou a dizer que "A imaginação é mais importante que o conhecimento (...)", frase que fora do contexto pode soar estranha e dar a falsa sensação de que Einstein estaria minimizando a importância do conhecimento. Não estava. Na verdade, ele disserta sobre a imaginação não ter limite enquanto que o conhecimento, por maior que seja, sempre ser limitado. Neste sentido, imaginar é libertador. E ele sou imaginar como ninguém.
Abraço. Obrigado pelo comentário! E Física na veia!
Parabéns, seu post foi selecionado pelo projeto Brazilian Power, cuja meta é incentivar a criação de mais conteúdo de qualidade, conectando a comunidade brasileira e melhorando as recompensas no Steemit. Obrigado!
Valeu! Obrigado!