São Tomás de Aquino não parece muito feliz...
Há anos não faço o ENEM e, na verdade, sequer tenho me preocupado em me atualizar sobre as questões desenvolvidas. Porém tenho percebido que, além de o ENEM mais parecer uma grande prova de interpretação de texto sobre questões de filosofia, a possibilidade de conflito entre o que se aprende na escola e o que de fato cai neste grande vestibular nacional não é nula.
O filósofo Francisco Razzo denunciou uma questão interessante, conforme os prints abaixo. Basicamente, o professor de filosofia responsável pela questão acerca da prova da existência de Deus, em São Tomás de Aquino, deu a entender que São Tomás propunha comprovar a existência de Deus a partir de uma prova a priori — ou seja, a existência de Deus seria comprovada de forma anterior à experiência humana. Razzo deixa claro que não é isso que São Tomás propunha.
E, de fato, não é. Na verdade, o elaborador da questão do ENEM parece ter confundido o raciocínio de São Tomás com o raciocínio de Santo Anselmo, que foi quem de fato propôs que a existência de Deus é intuitiva a nível a priori. O raciocínio de Santo Anselmo é conhecido como "argumento ontológico", e consiste em demonstrar a existência de Deus na realidade a partir da existência de Deus em nossas mentes, pois só faria sentido conseguirmos imaginar algo tão perfeito se esse algo pudesse ir além de nossa imaginação, não sendo então mera construção humana.
Obviamente que o argumento ontológico foi severamente criticado, em especial por um contemporâneo de Anselmo, Gaunilo de Marmoutiers, que, em paródia ao argumento, usou a analogia de uma ilha perfeita, de modo a deixar claro que se da imaginação algo se segue na realidade, então qualquer absurdo poderia ser considerado real.
Entretanto São Tomás vai muito além do argumento ontológico (a priori), e propõe 5 vias da existência de Deus (argumento cosmológico). Essas vias estão na internet e você pode conhecê-las pesquisando por aí. O diferencial dessas vias é que querem provar a existência de Deus a partir de coisas que, enquanto humanos, podemos perceber sobre a realidade. Assim, a comprovação da existência de Deus não se dá antes de nossa experiência com o mundo, mas é justamente por reconhecermos o mundo enquanto tal que devemos ser levados a crer que Deus existe na realidade mesma, e não só em pensamento.
Pra resumir: o argumento elaborado na prova do ENEM 2018 é o argumento ontológico de Santo Anselmo, que é diferente do argumento cosmológico de São Tomás de Aquino. Enquanto o primeiro busca inferir a existência da realidade de Deus a partir da sua existência em nossa mente (o que caracteriza uma prova a priori, que apenas exige algum nível de intuição), o segundo busca provar a existência de Deus a partir de 5 vias onde Deus teria existência comprovada a posteriori, ou seja após analisarmos a realidade das coisas.
Não é preciso muita especialização em filosofia medieval para entender essa diferença crucial. Infelizmente, parece que o ENEM é capaz de exigir especialização nenhuma para o básico de algumas das questões que propõe.
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