Não se perdendo como a maioria das produções cinematográficas atuais, cheias de efeitos com até terceira dimensão mas que apenas contemporaneamente fazem sucesso, os clássicos de Orson Welles serão guardados eternamente. A beleza do roteiro, a estrutura que dá unidade à obra e a condição humana retratada nas tramas, tudo faz desse cineasta um grande diretor.
Com o filme The Lady from Shanghai ¹ não foi diferente. As desventuras de um homem desencontrado, sem amor e apenas vivendo das fugas da própria sorte fazem Michael O'Hara representar a maioria daqueles que por simples azar enleiam-se em infaustas paixões.
Mas quando olhamos mais à fundo o fado desse marinheiro embrutecido pela dura experiência de não saber o que é amar – sentimento tão distante de alguém cuja sina se prende aos terríveis melodramas da noite à companhia de valdevinos, ou solitariamente, merce do destino – percebemos de imediato que a vida de Michael, na verdade, é apenas acometida da tolice que assedia qualquer homem cegado pela beleza feminina.
Sem dúvida, a sorte deste personagem desnuda a tolice de todo homem, que não é outra senão a de dar vazão ao quase inelutável desejo de desvendar o mistério dos encantos da mulher desconhecida. A bobagem do homem está em não distinguir dentre os encantáveis traços da Vênus o caráter mais ou menos elevado, se é que existe, da mulher misteriosa que lhe atrai.
Não fugir da atração venusiana que lhe arroja à mulher cujo caráter se desconhece completamente é a tolice do homem, mas fazer o que, essa cena é a própria condição masculina em face das veredas da vida, pois como o diz Michael
“Quando começo a fazer papel de bobo, pouca coisa pode me deter. Se eu soubesse o que ia dar, não teria nem começado. Se estivesse com a cabeça no lugar. Mas, quando eu a vi, quando a vi já não estava com a cabeça no lugar fazia tempo. ‘Boa noite’, disse eu, achando que era o tal. Mas ela era linda e estava só. E eu não tinha nada para fazer, a não ser arrumar encrenca. Algumas pessoas podem pressentir o perigo… eu não.”
¹ "The Lady from Shanghai" (1947) é um film-noir dirigido por Orson Welles, produzido pela Mercury Productions e ditribuido pela Columbia Pictures.
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