Casou-se cedo com a mulher da sua vida. Mas a mulher da sua vida estava grávida de um mês de outro homem e não havia falado nada sobre isso. Quando descobriu, não se abateu. Registrou como se fosse filho seu.
Com o passar dos anos, percebeu que a mulher da sua vida tinha o péssimo hábito de ser infiel. Vieram mais dois filhos, e no fundo achava que nenhum era seu. Mas registrou todos eles e não se abateu.
A mulher da sua vida um belo dia foi embora com outra pessoa, e largou para trás os 03 filhos que haviam se tornado seus. Olhou para os 03 pequenos órfãos de mãe e se abateu. Como se sabe que desgraça pouca é bobagem, num infortúnio da vida, foi atropelado e levado ao hospital, onde ficou por mais de 3 meses, de onde saiu mancando e com dificuldade para falar. Condições que, ao contrário da mulher que tanto amou, o acompanhariam por toda a vida.
Procurava Deus para consolar seu coração enfraquecido. Nunca a bebida, nunca a droga. Trouxe então outra mulher para dentro de casa, mas não como esposa, nem como escrava. E sim como filha de alma, pois era uma jovem mãe e havia sido despejada com seu bebê. Mais uma filha que não era sua e passou a ser.
Procurava Deus para consolar o coração sofrido dos seus filhos todos. Mas um deles negou a sua ajuda e procurou a droga. E trouxe consigo a discórdia, a vergonha e o medo para dentro de casa. Após anos de luta, esmoreceu e renegou pela primeira vez um filho seu. Vá, vá e não volte mais.
Ele foi e não voltou nunca mais. Os anos se passaram e o vazio deixado por aquele que um dia foi seu filho, havia permanecido de forma insistente. Um vazio que não era bem um vazio. Era mais um amargo do que um vazio. Até que o telefone tocou um dia e disseram que seu (ex)filho estava se internando em uma clínica de recuperação, e que gostaria de vê-lo antes de ser removido.
No instante seguinte já estava no mercado (mesmo mancando e sem dinheiro), escolhendo a dedo e com o coração, itens de higiene e gêneros alimentícios, com todo o carinho e a preocupação que só quem ama deveras consegue dispender. Choraram quando se viram e choraram mais ainda quando se despediram.
Um misto de reencontro e despedida que me fazia querer sorrir e ao mesmo tempo chorar vendo aquilo.
Seu filho foi então removido pelos técnicos que iriam acompanha-lo na internação.
-É muito difícil para um pai ver um filho nessa situação - me disse ele, ainda tentando se recompor, enquanto eu o levava de volta para sua casa. - Quando eu contei para ele que eu era homossexual, ele foi o único filho que disse que isso não ia mudar nada entre a gente, ele foi o único que sempre me aceitou e me amou como eu sou. Ele é um bom menino, sabe? E ele sabe que não é meu filho biológico, mas eu também sempre disse que isso nunca ia mudar nada entre a gente. Eu achava que nada era capaz de mudar o que a gente sentia um pelo outro.
-Sr., mas o que vocês sentem não mudou. Vocês são pai e filho que se aceitam e se amam. Você não aceitou foi a droga.
-É. Eu não aceitei a droga, mas a droga era o remédio dele e eu acredito que ele vai se curar desse vício. Nem é isso que me dói. O fato é que ele já foi abandonado pela mãe e depois por mim, pelo pai. Então o problema é: será que um dia ele vai acreditar em amor? Será que ele vai se sentir merecedor de algum tipo de amor? E será que um dia ele será capaz de amar?
Marejei sorrateiramente enquanto seguimos em silêncio absoluto até nosso destino. Discordo que ele tenha abandonado o filho em algum momento. Me emocionei, sim, pela sensibilidade tocante, pelo nível profundo de empatia e cuidado daquele pai, mesmo estando completamente despedaçado e ferido. O amor é uma coisa inexplicável.
Esse post é de uma série de crônicas que decidi escrever, baseadas em fatos da vida real, os quais foram extraídos do meu cotidiano e da minha experiência com famílias em situação de vulnerabilidade social e violações de direitos.