O DIREITO DE MATRIZ LÍNGUA PORTUGUESA - por Francisco de Araújo

in #direito6 years ago (edited)

A consolidação e a utilização da língua portuguesa no campo jurídico e político timorense devem ser obrigatórias

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Tentarei, nesta edição, abordar a questão do Direito e da Língua Portuguesa no contexto de Timor-Leste, com enfoque na consolidação e utilização da língua portuguesa no campo jurídico e político timorense, bem como no processo de adoção e familiarização da linguagem técnico-jurídica no âmbito do desenvolvimento da ordem jurídica interna, uma vez que Timor-Leste adota o sistema de Direito Civilista (Civil Law) de matriz língua portuguesa, tal como é adotado por outros países da CPLP (Comunidade dos Países da Língua Portuguesa). Por isso, a língua portuguesa, neste sentido, é considerada o veículo principal na elaboração dos atos normativos e como um elemento responsável pela disseminação do conhecimento e do saber jurídico originados da tradição romano-germanística.

A Política e o Direito são dois campos de saberes diferentes mas inseparáveis no processo de construção de um Estado – a política como elemento governador e o Direito como elemento regulador. No contexto atual de Timor-Leste, e no âmbito do bom funcionamento do Estado, devemos procurar entender as relações entre a Política e o Direito, atendendo, principalmente, nas razões de ser das normas jurídicas (fins teleológicos), finalidades e ideologias políticas adotadas de cada partido. A língua, enquanto elemento comunicador e norteador das atividades políticas e jurídico-legislativas, assume um papel fundamental no processo de desenvolvimento, pois como se afirma no ponto de vista linguístico que só através da língua e linguagem é que se vê e conhece o mundo pela sua natureza política, jurídica, educativa, social e cultural, etc.

Timor-Leste é um Estado de Direito Democrático. E o que é um Estado de Direito? O Estado de Direito é um Estado que se bazeia na Constituição, sendo a norma fundamental dotada de supremacia normativa, ou, por outras palavras, quer dizer o funcionamento do Estado deve basear-se, primordialmente, na Lei Fundamental, e nas outras leis estatais aprovadas e promulgadas pelos órgãos competentes, tal como previsto no n.º 2 do artigo 2.º da CRDTL, “O Estado subordina-se à Constituição e às leis” – Por isso, se refere à expressão “Estado de Direito”. Por outro lado, acrescenta-se a essa expressão o termo “Democrático” – “Estado de Direito Democrático” – que diz respeito à soberania popular pelo Direito, medida pela representação democrática, uma vez que, ao exercer o poder político, deve haver a legitimidade atribuída pelo povo através de um sufrágio universal, livre, igual, direto, secreto e periódico (n.º 1 do art. 7.º e o art. 62.º da CRDTL).

A construção do Estado timorense tem enfrentado, ao longo de anos, vários desafios jurídicos e políticos que atrasam, em muitos domínios, os processos de desenvolvimento. Em alguns casos, a multiplicidade e a má interpretação das normas jurídicas, em especial a Lei Fundamental, gerem, por vezes, polêmicas entre as partes – os políticos, os acadêmicos e outras partes da sociedade. Nos últimos anos o cenário político timorense tem sido demagógico, criando impasses que atrasam as ações governativas e que não são atraentes e saudáveis no panorama político interno e externo.

No que tange à questão do Direito e da Língua Portuguesa, conforme Gonçalves (1997, p.03), citado por Krieger num estudo feito sobre o Direito e a Língua Portuguesa, “O Direito é, por excelência, a ciência da palavra, como devem tratá-la aqueles que fazem dela seu instrumento de trabalho?”. Ainda na mesma perspetiva, Gonçalves (1997, p.13) salienta de um modo específico que os profissionais das áreas do Direito e da Justiça devem utilizar corretamente a Língua Portuguesa no exercício das suas funções, pois o Direito em si é a profissão da palavra.

Com base na premissa dessas duas perspetivas, importa destacar o quão importante a aprendizagem e o domínio fluente da língua portuguesa no campo jurídico, no contexto de Timor-Leste, quer isto na dimensão escrita quer isto na dimensão oral, pois um dos desafios encontrados no âmbito da adoção e familiarização do Direito de matriz língua portuguesa, e principalmente no âmbito dos processos penais, é a falta do domínio do português pela maioria dos timorenses.

A partir da restauração da independência, as atividades legislativas e a construção do setor jurídico e judiciário – o desenvolvimento do ordenamento jurídico timorense – têm vindo a funcionar em duas línguas oficiais, português e tétum. Todavia, nota-se que os desafios na utilização destas línguas, em cada domínio, ainda são muitos devido, sobretudo, a falta de um conhecimento linguístico rigoroso pela maioria dos profissionais timorenses inclusivamente os políticos e académicos. Por isso, é preciso definir mais medidas estratégicas que possam contornar esses desafios e auxiliar e conduzir os profissionais a utilizarem as duas línguas de forma eficaz, eficiente e consistente, apostando num bom rigor linguístico altamente evoluído.

Importa salientar que a língua portuguesa tem um papel dominante na elaboração dos atos normativos (é uma tarefa ainda é exercida pela maioria dos assessores internacionais), enquanto a língua tétum, pelo contrário, é o mais dominante na parte da comunicação ou oralidade) – na maior parte das vezes, muitos dos políticos e dos profissionais que atuam nas áreas do Direito e da Justiça, bem como os académicos e o público em geral, são mais capazes na leitura do texto em português mas menos capazes na expressão ou produção da oralidade do mesmo.

Tal como já foi referido, os atos normativos produzidos pelos órgãos competentes são elaborados em português e devem ser publicados em ambas as línguas oficiais, nos termos do artigo 3.º da lei n.º 1/2002, de 7 de Agosto, sobre a publicação dos actos normativos. Por outro lado, o Decreto-Lei n.º 11/2017, de 29 de Março, sobre o regime de utilização das línguas oficiais no setor da justiça, prevê a utilização plena e igual das línguas oficiais nos domínios legislativo, administrativo e judiciário. Este regime prevê ainda a criação de um Conselho Especializado para o Desenvolvimento do Tétum Jurídico com objetivo adotar e desenvolver as terminologias jurídicas próprias da língua tétum. Infelizmente, este regime ainda não está implementado.

Em cumprimento da Lei n.º 1/2002, de 7 de Agosto, e tendo em conta as atribuições dadas à Direcção Nacional de Assessoria Jurídica e Legislação, como serviço do Estado responsável pelo apoio jurídico ao Ministério da Justiça no âmbito da acção do Governo, bem como pela realização de estudos de natureza jurídica e pela elaboração de projectos e actos normativos, a DNAJL do Ministério da Justiça, nos últimos anos, desde 2012 até à actualidade, tem desenvolvido e produzido o modelo bilingue dos actos normativos, garantindo a tradução para tétum de todas as Propostas de Leis e de todos os Projectos de Decretos-Leis, Leis e Decretos-Leis (já aprovados), Diplomas Ministeriais, pareceres, alocuções e discursos. Algumas das traduções de Leis e Decretos-Leis já estão disponíveis no site eletrônico do Jornal da República como intrumentos de apoio para facilitar o acesso e a consulta dos cidadãos que desconhecem a língua portuguesa.

No decurso da tradução, um dos desafios enfrentados pelos tradutores jurídicos é tentar procurar o liafuan maluk (termos correspondentes), em tétum, dos termos técnicos e expressões em Língua Portuguesa. É certo que, na maioria dos casos, estes mantém-se porque o tétum carece dessas terminologias, mudando apenas a ortografia, respeitando o teor jurídico dos mesmos. Assim, através da tradução e dos empréstimos dos termos técnico-jurídicos é que o português alimenta e enriquece cada vez mais a língua tétum no domínio jurídico.

As opiniões manifestadas no presente artigo são da exclusiva responsabilidade do autor, não vinculando qualquer entidade!

Francisco de AraújoLicenciado em Educação (Ensino da Língua Portuguesa); Investigador Independente sobre a didáctica e a difusão da Língua Portuguesa no contexto de Timor-Leste; Estudante do 3º ano do Curso de Direito da UNTL; Tradutor e Intérprete Jurídico. Contactos: E-mail: q2francis@gmail.com / Telemóvel: 77558549 / 75586079

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