A história é sempre semelhante: um político ou partido, aproveitando-se de que possui uma cota de cargos de confiança para indicar em alguma assembleia ou câmara, enche seu gabinete de pessoas escolhidas a dedo. Chegando lá (ou mesmo antes), os escolhidos ficam sabendo de uma pequena "condição": parte do salário que receberão deve, às escondidas, voltar para as mãos do político ou partido que fez a indicação - ou isso, ou tchau, cargo. Às vezes, o político é tão fominha que exige o salário inteiro do indicado.
É o famoso "vaca", o assessor que é indicado apenas ou principalmente para ser "ordenhado" mensalmente pelo político que o indicou, servindo apenas como um meio de o político ganhar mais do que a lei o destina.
Geralmente o golpe é elaborado, e envolve paradas intermediárias do dinheiro. Raramente o dinheiro é dado diretamente para o político. Mais comum é que ele "esfrie" em uma parada intermediária - geralmente, outro assessor - ou que volte ao político criminoso por meio de familiares, como filhos, esposa ou amigos próximos. Não é raro, também, que seja armazenado para uma transferência única - tudo para evitar que a polícia, de posse de extratos bancários, note simetria entre recebimentos de um e pagamentos de outro.
Mas a polícia não é boba. Frequentemente, as "vacas" dão com a língua nos dentes (principalmente quando o político cresce demais o olho, extorquindo mais que a vaca pode suportar). Foi o que aconteceu no caso de Antônio Farias de Souza, do PTC, Vereador em Fortaleza, que decidiu reter TODO o salário de seus assessores. Assim não há lealdade que segure...
A lista de políticos pegos com a boca na butija é enorme. Até o Marquito (sim, aquele, do Ratinho) do PTB também aparentemente engrossava sua carteira com grana dos assessores. Presidentes de Câmaras ou Assembleias, por terem o poder de nomear uma grande quantidade de pessoas para funções internas das casas, são particularmente seduzidos pela possibilidade - como foi o caso do Aurélio da Padaria, do PSDB, Presidente da Câmara de Vereadores de São Leopoldo.
Esta semana, a Operação Furna de Onça, ao investigar a conduta na ALERJ - onde o golpe parece ser mais regra do que exceção - flagrou sem querer um motorista de Flávio Bolsonaro receber depósitos de pelo menos sete assessores, e executar um depósito suspeitíssimo de mais de um milhão de reais, incompatível com os seus rendimentos, nas contas do clã - o que fez tocar um alarme de operação finaceira suspeita no COAF, no Ministério da Fazenda, órgão que monitora transações atípicas que podem indicar lavagem de dinheiro. A mesma operação prendeu outros dez deputados em novembro.
Mas o mais inacreditável mesmo foi o que aconteceu no processo 57-77.2011.6.09.0000, do TRE de Goiás, onde Virmondes Borges Cruvinel Filho pleiteava a desfiliação por justa causa do PSDC de Goiânia. Ali, o motivo trazido aos autos do processo pelo Partido para alegar má conduta, incompatível com as regras e ética partidárias, foi a RECUSA do político em coletar dinheiro ilegal de seus assessores e repassá-los à agremiação. Analisando os autos, se percebeu que isso vinha de orientação ilegal da Executiva Nacional do partido, disciplinada até em resoluções oficiais!
Penalmente, utilizar seus assessores como fonte de renda constitui o crime de concussão, descrito no art. 316 do Código Penal Brasileiro: ato de exigir para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida. A pena é de reclusão e vai de dois a oito anos e multa, cumulativa com a pena de reclusão.
Em junho de 2013, o Senado aprovou Projeto de Lei que torna a Concussão, assim como outras formas de Corrupção, crime hediondo - mas o projeto ainda depende de aprovação na Câmara dos Deputados e sanção presidencial.
A prática também é proibida pela Lei dos Partidos Políticos, art. 31:
Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:
(...)
V – pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.
Infelizmente, a prática, tão onipresente quanto antiga, ainda tende a permanecer por muito tempo no nosso cenário legislativo. O motivo é simples: a vítima direta (o assessor) enfrenta um dilema entre coadunar com a prática, e perder um tanto do seu salário, ou denunciar e provavelmente perdê-lo na sua totalidade, já que ocupa precariamente cargo de livre nomeação e exoneração.
Ótimo texto como sempre, @donin! Infelizmente, é uma prática muito comum, assim como contratar famílias inteiras e cobrar parte do salário para o partido também. Já trabalhei em algumas prefeituras e foi o suficiente para desacreditar totalmente no nosso sistema político. Obrigado por compartilhar ;)
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