O Perfil Nomotético: Um contributo para uma Criminologia Forense

in #criminologia7 years ago (edited)

O Perfil Nomotético: Um contributo para a Criminologia Forense

1. Contextualização

Nesta breve exposição procurou-se demonstrar que a perspectiva nomotética contribuiu, de certa forma, para o nascimento da Criminologia como ciência, nomeadamente a partir da Sociologia Criminal e que, no âmbito da Criminologia Forense, é interdependente da ideográfica. Ambas pertencem à Criminologia Forense, não se considerando, aqui, que possam ser separadas.

A intersecção existente entre ambas pode contribuir tanto para a investigação criminal, como para o aumento qualitativo das politicas criminais e da criação legislativa, tal como a Criminologia o tem feito.
Se é verdade que muito mais haveria a dizer, a comparar, a investigar e a elucidar, não é menos certo que tudo o que fica dito pode abrir caminho a estudos futuros, com um mais abrangente aprofundamento em que se possa esclarecer devidamente a posição apresentada.

2. Breve Introdução Histórica

A história da criminologia é a história de um tempo valorizado pela contínua sucessão, alternância ou confluência de métodos, de técnicas de investigação, de áreas de interesse de envolvimentos teoréticos e ideológicos, de escolas criminológicas. Escolas que pouco resistiram à vontade de se reverem como “a criminologia” limitando o problema criminológico aos concretos problemas e métodos que seleccionaram (Figueiredo Dias, Jorge de/Andrade, Manuel da Costa, Criminologia, 2013, pág. 3).

Na realidade a história das ideias sobre os delitos e as penas está marcada de fases de progresso e de retrocesso, de verdades descobertas e depois esquecidas, de grandes oscilações pendulares.

O termo Criminologia terá sido usado pela primeira vez em 1879, pelo antropólogo francês Topinard. Em 1885 Garofalo intitula, pela primeira vez, uma obra com esse termo. Não obstante a criminologia ter ganho consciência de si com o positivismo e ter procurado apresentar-se como ciência, alinhada pelos critérios metodológicos e epistemológicos susceptíveis de legitimar essa reivindicação, definindo-se como estudo etiológico-explicativo do crime, esse requisito não é, hoje, condição necessária ou, mesmo, suficiente, para a elevar à categoria de ciência. Surge, por isso, a necessidade de se estender a história da criminologia à escola clássica onde se assistiu, pela primeira vez, uma reflexão sistemática e coerente sobre o problema do crime (Figueiredo Dias, Jorge de/Andrade, Manuel da Costa, Criminologia, 2013, pág. 6).

2.1 Balizas temporais

Assim a coordenada histórica delimita um longo segmento temporal (Cândido da Agra, A Criminologia, 2012, pág. 17) que vai de 1764, data da publicação da obra “dos delitos e das penas”, até à actualidade. As razões para a periodização coincidem com a constituição de três escolas: a escola clássica (Beccaria e Benham), a escola cartográfica (primeiros estudos, no inicio do século XIX, de projecção da criminalidade nas zonas urbanas bem como das variáveis sociodemográficas), a escola positivista italiana (Lombroso, Garofalo, Ferri) constituída no final do século XIX. O quarto período, após o declínio do positivismo italiano, é assinalado por uma multiplicidade de orientações, de teorias, de métodos, de práticas que geraram, pelas suas oposições, enorme polémica ora cientifica, ora político-ideológica, ora moral (que chegou a ser anunciado como o fim da criminologia).

A criminologia teve um novo ânimo, inaugurando um novo período (o actual) a partir dos anos 80, caracterizado por quatro grandes formações de discurso: retorno à criminologia clássica, através do discurso da responsabilização e de teorias como o cognitivo-comportalismo, a abordagem da escolha racional, etc.; o discurso da segurança que, entre outros elementos, reinventa a cartografia do crime, patente na chamada criminologia ambiental segundo uns, urbanística segundo outros; um discurso cientista armado de métodos das ciências exactas e naturais (criminologia experimental, quantitativa e desenvolvimental); o discurso da vítima e da violência.

2.2 Sociologia Criminal

É no início do século XIX que surgem os primeiros estudos sistemáticos sobre o crime, em que este é concebido como fenómeno social e não moral. O delinquente é um ser vicioso, sim, mas tem-se consciência de que este vicio tem origem não no carácter dos indivíduos, antes nas suas concretas condições de existência.

Enquanto a escola positiva percorria a sua trajectória, consolidava-se a sociologia criminal (em choque com aquela). Na viragem do século o seu predomínio é notório. Foi com as obras de Lacassagne, Tarde e Durkheim que a sociologia criminal recebeu contornos que ainda hoje se lhe reconhecem.

2.3 A Criminologia em Portugal

Houve, em Portugal, autores que, apesar de adoptarem ab initio os preceitos positivos, rapidamente os puseram em causa através da recolha e análise de dados empíricos (Maldonado, Mário Artur da Silva, Alguns Aspectos da História da Criminologia, 1968, Cf. citado por Tânia Dias, Rita Faria e Cândido da Agra, Criminologia: Arquipélago, pág. 82).

Ferreira Deusdado (entre outros) distancia-se da concepção do homem delinquente como o reaparecimento do homem primitivo bem como da inscrição, no seu corpo e mente, de estigmas que provariam o atavismo. Ele acentua o papel e as condições do meio enquanto factores que teriam maior peso na génese do crime e a educação como remédio ao crime, não negando o papel da hereditariedade e a eventual transmissão de caracteres que poderiam predispor o individuo para o cometimento de determinados actos. O homem era naturalmente livre, tinha capacidade de levar a cabo as suas próprias escolhas, o que se afastava da visão da escola positivista italiana e do determinismo as quais Deusdado caracteriza como crença nas forças cegas da natureza.

Assim, para ele, os postulados desta escola, acarretavam diversas consequências contraprudecentes: o determinismo seria atentatório da dignidade humana e o facto de se basear todo o direito penal no critério da defesa social iria imprimir ao sistema de justiça actual um carácter de vingança que historicamente muito se tentou dirimir, ao mesmo tempo que eliminaria o sentimento de justiça sem alcançar a regeneração e correcção do individuo “para os delinquentes comuns, para os verdadeiros criminosos que estão na posse de suas faculdades mentais e que constituem a grande maioria, não se deve admitir outro critério senão o da justiça baseado na responsabilidade moral” (Deusdado, Ferreira, Estudos sobre criminalidade,1889)

3. O Perfil Nomotético

Na esteira da Sociologia Criminal e tendo em consideração que a “perspectiva nomotética refere-se ao estudo o abstracto através da análise de grupos e de leis universais”. (Konvalina-Simas, Tânia, Profiling Criminal, pág. 51) temos que os perfis nomotéticos serão, então, resultados do estudo de grupos de agressores, que comportam a representação de tendências e possibilidades teóricas. Não obstante a margem de erro latente na utilização desta perspectiva numa investigação criminal, a história mostrou que a Criminologia, enquanto ciência, muito se sustentou nesta linha de análise. Neste sentido, podem, hoje, identificar-se quatro grandes abordagens de natureza nomotética no Profiling criminal (Ainsworth, Peter, Offender Profiling and crime analysis, pág. 52).

• Análise da investigação do crime, processo investigativo que identifica as principais características do agressor com base nas particularidades dos crimes por ele cometidos. Classificando os agressores em organizados ou desorganizados dependendo do grau de sofisticação, planeamento e habilitações sociais e cognitivas observáveis no crime cometido;

• Psicologia investigativa, trata-se do estudo dos aspectos psicológicos do comportamento criminoso que podem ser relevantes para as investigações criminais e civis;

• Avaliação diagnóstica, aqui a psiquiatria clínica (e forense) e a psicologia são utilizadas para determinar se o agressor sofre de doença mental ou anomalia psíquica, através da emissão de pareceres sobre os agressores, locais do crime e vitimas;

• Profiling geográfico, é um auxilio na priorização dos suspeitos e na possível identificação de locais relevantes para uma investigação permitindo aos investigadores concentrar os seus recursos e estratégias de patrulha, vigilância e investigação.

A criminologia não pode ter o seu foco apenas no comportamento criminoso individual (perspectiva ideográfica). Há que se ter em atenção todas as circunstâncias ambientais, procurando diferenciar contextos em que o criminoso se inseriu aquando da passagem ao ato.

4. Posição Adoptada

Concebendo-se a lei, a si própria, como parte da sociedade e reconhecendo-se as expectativas da sociedade em termos de garantia de segurança através da redução do crime, não se pode esperar que através, apenas, da punição (ou a sua severidade) tenha um efeito dissuasor.

O Sistema Politico não pode, por si só, seguir o caminho do aumento das leis penais, das punições cada vez mais severas e sentenças longas (e “exemplares”). O próprio aumento da prevenção, na sequência do advento do terrorismo, vem afectando as Liberdades e Garantias fundamentais dos cidadãos (com a sua permissão, é certo.) em prol de uma segurança que os expõe a intromissões nas suas esferas privadas. A prevenção criminal não pode (não deve) operar pelo medo, deixa de haver um tipo repressivo de controlo limitado do crime, para um tipo preventivo de controlo social ilimitado do crime, e do risco. Aliás, a prevenção do crime passa a ser a prevenção do risco, sendo certo que o risco “(…) it is not a thing it is a way of thinking (…”) (Douglas, Mary, Risk and Blame, 2003, pág. 46) pelo que nunca será possível saber quando (e se) se materializará num perigo ou ameaça real e quais as consequências que ocorrerão.

Do exposto parece que a Criminologia Forense, na sua perspetiva nomotética poderá, mais uma vez, contribuir para que se possa delimitar a intervenção preventiva (politico-criminal). Não se defende aqui que o foco passe a situar-se, somente, nos enclaves urbanos incivis, em bolsas de subcriminalidade ou de cultura criminal que podem explodir a qualquer momento. O que se defende é que aquela perspetiva (nomotética) seja densificada e aprofundada onde, abarca a investigação e o estudo da aplicação da lei, os procedimentos penais, medidas e programas de reabilitação e reintegração social e medidas de prevenção, tal como o estudo da definição, interpretação e causalidade do crime. Sendo a criminologia forense uma forma de Criminologia Aplicada que se debruça sobre o estudo cientifico do crime e dos criminosos com o objetivo de informar os processos de investigação criminal e de condenação penal (Petherick, W./Turvey, B./Ferguson, C., Forensic Criminology, 2007, Cf. Citado por Konvalina-Simas, Tânia, Criminologia Forense, 2016, pág. 54) - apesar de se poder considerar, segundo esta definição, a Criminologia Aplicada um meio de macro-análise que aplica o exame nomotético de sistemas, processos e as relações entre estes e a Criminologia Forense enquanto meio de micro-análise que implica o exame ideográfico de um ou mais casos relacionados (Konvalina-Simas, Tânia, Criminologia Forense...pág. 54)- é de crer que uma não vive sem a outra.

Sem a contribuição dos criminólogos forenses, no estudo do crime do ponto de vista sociólogo na sua vertente do processo penal e de todas as suas penínsulas. Sem a pesquisa no âmbito da investigação criminal e a todas as acções em que reúne, analisa e apresenta as provas com o intuito de promover o rigor objectivo nos procedimentos legais, como pode este (o Processo Penal) acompanhar a evolução da sociedade? Partindo de uma perspectiva ideográfica, mais rapidamente se chegará a conclusões nomotéticas (obviamente coadjuvadas por todos as outras subdisciplinas e especialidades a elas associadas).

Neste sentido, pode-se inferir que o criminólogo forense, em todas as suas tarefas (Petherick, W./Turvey, B./Ferguson, C., Forensic Criminology 2007, Cf. Citado por Konvalina-Simas, Tânia, Criminologia Forense.... pág. 56): na busca da compreensão dos factores causais, factores precipitantes, das interacções entre a vitima e agressor, o papel da vitima no processo penal; na aplicação das questões teóricas que possam ser aplicadas ao contexto do caso em análise; na contribuição para exposição da dúvida mantendo uma perspectiva céptica, agindo como contraponto aos métodos investigativos clássicos (os quais podem assumir um cariz absolutista, conduzindo, por vezes, a resultados rígidos e limitativos); entre outras, se apoia, também, na perspectiva nomotética na sua análise.

Se a Criminologia Forense é “eficaz no impedimento e prevenção de actos ilícitos, ajudando os Tribunais a fazer justiça de forma oportuna, eficientemente e apropriada e intervindo tanto na prevenção geral como na prevenção especifica do crime” (Konvalina-Simas, Tânia, Criminologia Forense....pág. 65) sê-lo-á igualmente no contributo para as políticas criminais, para o aperfeiçoamento do Processo Penal em vigor. Esse contributo poderá alicerçar a criação de políticas de prevenção que tenham patentes a preocupação com o crime e não com o risco.

É certo que a perspectiva ideográfica, no caso concreto, terá um contributo localizado que uma perspectiva nomotética não conseguiria atingir. Por outro lado, não se pode separar esta da Criminologia Forense, nem tampouco deixar de ter em consideração o contributo (generalizável, é certo) que terá para dar, em conjunto com o das outras várias penínsulas da criminologia forense, um salto qualitativo na criação legislativa.

Daí se defender a existência de uma intersecção entre ambas as perspectivas que não pode ser desconsiderada mas sim aprofundada, contribuindo para uma, quiçá, “Criminologia Forense Preventiva” que apoie a criação legislativa penal em proveito de uma defesa das Liberdades e Garantias fundamentais de que se tem vindo a abdicar em beneficio da segurança contra o crime - leia-se: RISCO.

Bibliografia

  • Ainsworth, Peter, Offender Profiling and crime analysis, Willan Publishing, 2001, Reino Unido
  • Cândido da Agra, A Criminologia: Um Arquipélago Interdisciplinar, in A Criminologia: Um Arquipélago Interdisciplinar Porto, U. Porto Editorial, 1ª edição, 2012
  • Deusdado, Ferreira, Estudos sobre criminalidade e educação, Pholosophia e Antropagogia, Lisboa, 1889, Imprensa de Lucas Evangelista Torres, disponível em: http://www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1081.pdf
  • Douglas, Mary, Risk and Blame, Essays in cultural theory, Londres 2003,Taylor & Francis e-Library
  • Figueiredo Dias, Jorge de/Andrade, Manuel da Costa, Criminologia, o Homem Delinquente e a Sociedade Criminógena, Coimbra, 2013, Reimpressão
  • Konvalina-Simas, Tânia, Profiling Criminal. Introdução à analise comportamental no contexto investigativo, Lisboa, Rei dos Livros, 2ª Ed, 2014
  • Konvalina-Simas, Tânia, Criminologia Forense, Lisboa, Rei dos Livros, 2ª ed, 2016
  • Maldonado, Mário Artur da Silva, Alguns Aspectos da História da Criminologia de Portugal, Lisboa, Ministério da Justiça, 1968, in Boletim da Administração Penitenciária e dos Institutos de Criminologia, nº22
  • Petherick, W./Turvey, B./Ferguson, C., Forensic Criminology, Elsevier Academic Press, Boston, 2007

Obrigado,

João